Na sequência de uma publicação anterior sobre livros que acho interessantes, decidi escrever este texto, que é um resumo de três livros sobre o Yoga Sūtra.
Os Yogasutras de Patañjali de Carlos Eduardo G, Barbosa, O Yoga Sūtra de Patañjali – uma biografia de David Gordon White e O Yoga Sūtra de Patañjali – uma nova tradução e comentário de Georg Feuerstein. Escolhi estes três livros pois achei que seria interessante ter perspetivas diferentes sobre a mesma temática de estudo.
No livro de Carlos Barbosa, existe uma explicação sobre a metodologia da tradução, do plano da obra, quem foi Patañjali, ligação dos sutras com o corpo e os 4 capítulos do yoga Sūtra
Esta tradução tem por base o texto em sânscrito com 196 aforismos.
Segundo o autor foram encontrados alguns problemas relacionados com o decorrer da tradução. Destaco alguns: existem muitas traduções feitas a este texto, o que leva por vezes a algumas comparações entre elas; a forma como o texto foi escrito foi para facilitar a memorização dos sūtras, que estão todos interligados, mas nas traduções por vezes são utilizadas definições ocidentais para determinados conceitos filosóficos indianos, o que por vezes origina alterações ao sentido original.
Sobre quem foi Patañjali, é abordado o seu nascimento místico e a importância que tem para a cultura indiana.
Sobre o Yoga Sūtra propriamente dito, segundo a análise do autor, não existe uma explicação muito aprofundada dos aspetos mais práticos (posturas e exercícios respiratórios) do Hatha Yoga, mas sim os conceitos teóricos envolvidos na prática de yoga.
O primeiro capítulo - Samadhi é sobre os requisitos à prática de yoga.
Inicia com a definição de yoga, aborda depois as seguintes ideias e conceitos:
Meios de expressão – evidências, inventividade, imaginação, sono e memória;
Recolhimento que advém da disciplina e do desapego;
Conhecimento intenso que surge a partir de suposição, avaliação, sensação de realidade e perceção da própria individualidade;
Hábitos mentais cultivados na disciplina;
Entrega ao senhor interior;
Silaba mística Oṃ como expressão do senhor;
Obstáculos que são as dispersões da mente: doença, insensibilidade, dúvida, negligência, imobilismo, desinteresse, divagação, não realização, instabilidade;
Formas de contrariar os obstáculos;
O que se atinge, com estes passos é o samadhi.
No segundo capítulo esses requisitos são aprofundados de forma prática nos oito passos de realização do yoga.
Este capítulo fala de kriyā yoga, o sacrifício, a busca do saber interior e a entrega.
Tem como finalidade produzir samadhi e minimizar as perturbações;
As perturbações são a falta de sabedoria, egoidade, desejo, aversão e apego à vida. A meditação destrói as manifestações das aflições;
A raiz das perturbações é o karma, as ações, que deve ser percebido como o visível e o invisível.;
É o usufruto dessa raiz que faz existir o nascimento, duração da vida e maturidade. O seu resultado é o prazer ou a dor, conforme venham da virtude ou vicio;
Tudo o que resulta do discernimento é sofrimento;
Fala também das oito partes do yoga:
Normas de convivência – yama
Normas de autoaperfeiçoamento – nyama
Posturas de assentamento – āsana
Praticas de controle das forças sutis – prāṇānyama
Recolhimento – pratyāhāra
Concentração – dhāraṇā
Meditação – dhyāna
Superação de si mesmo – samādhi
Os yamas dividem-se em:
Não agressão – ahiṃsā
Autenticidade – satya
Não roubar – asteya
Pratica de vida espiritualmente regrada – brahmacarya
Não cobiçar – aparigraha
Os nyamas dividem-se em:
Limpeza – śauca
Contentamento – saṃtoşa
Sacrifício – tapas
Busca do saber interior – svādhyāya
Entrega ao senhor - Īśvara
Deve-se assim desenvolver ideias contrárias aos maus pensamentos com a finalidade de evitá-los
O terceiro capítulo é sobre a meditação do yoga e os seus resultados.
Neste capítulo fala-se mais de concentração, meditação, e iluminação e como estes 3 passos juntos são samyama – meditação intensa. Quando são conquistados origina-se o mundo do conhecimento natural.
São estes 3 passos internos que compõem a prática do yoga
O quarto capítulo fala do objetivo final do yoga. É o capítulo do isolamento. Fala-se de siddhis, que são o resultado da movimentação das forças oriundas do inconsciente.
Existe ainda uma explicação sobre língua sânscrita, Sāṃkhya e yoga, bem como uma explicação sobre o termo egoidade.
No livro, O Yoga Sūtra de Patañjali, – uma biografia de David Gordon White, o autor escreve sobre outros autores que escreveram sobre o Yoga Sūtra, tanto autores orientais como ocidentais, fazendo um enquadramento histórico.
Existe também a abordagem de como o Yoga Sūtra tornou-se num clássico e a sua viagem até ao seculo XX.
O livro não aborda tanto os aforismos de forma exaustiva, mas sim demonstra as várias visões e opiniões sobre o Yoga Sūtra de Patañjali.
No Yoga Sūtra de Patañjali – uma nova tradução e comentário de Georg Feuerstein, o autor foca-se no sistema filosófico de Patañjali, o Yoga Sūtra, fazendo uma explicação de todos os aforismos existentes.
Começa por esclarecer que muito pouco se sabe sobre Patañjali: pode ter sido um gramático que viveu no seculo II, pode ter sido a incarnação da serpente Ananta, não existem certezas factuais.
Descobertas mais recentes, afirmam que o escritor Patañjali, e o gramático Patañjali, não são a mesma pessoa, pois estão separados no tempo por 4 ou 5 séculos.
Esta falta de informação bibliográfica é comum na India, havendo mesmo a liberdade de atribuir trabalho anónimos a famosos escritores bem como a figuras mitológicas. Um exemplo é a atribuição a Vyāsa do comentário mais antigo e importante no Yoga Sūtra – o Bhāşya
Independentemente desta atribuição ser verdadeira ou não, segundo o autor, existem razões para acreditar que Vyāsa não pertenceu à escola de yoga de Patañjali, mas sim a uma escola de Sāṃkhya.
Lendo o Yoga Sūtra pode se formar uma ideia mais concreta sobre quem foi Patañjali.
Algumas características que se destacam sobre Patañjali, foi que era um pensador sistemático; metafisico com grande precisão e lucidez sobre as suas formulações; praticante de yoga; pode se dizer que é a prova de que o misticismo pode ser abordado de forma racional e que interesses contemplativos e objetivos intelectuais podem ser combinados numa só pessoa.
A filosofia que se encontra no Yoga Sūtra contém prescrições éticas e um método para a alteração da consciência com o objetivo de alcançar a libertação ou autorrealização. O yoga de Patañjali, é normalmente tipificado como aşţa-aṅga yoga, ou como o caminho dos 8 membros: yama, nyama, āsana, prāṇānyama, pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna, samādhi. Estes 8 membros são de facto analisados com algum rigor ao longo do Yoga Sūtra.
Mas, esta secção onde estão incluídos os 8 membros tem uma outra tradição e assim a correta designação do seu sistema deveria ser de Kriyā Yoga.
A atenção dada aos 8 membros, segundo o autor, deve-se ao facto de o lado prático do yoga de Patañjali, ter atraído maior atenção do que a própria filosofia sobre a qual foi criado.
O que não é muito positivo, pois um aspeto não funciona sem o outro e a filosofia contém aspetos bastante interessantes que devem ser estudados.
O Yoga Sūtra está dividido em 4 capítulos e Patañjali, começa com algumas definições.
O primeiro capítulo serve como uma introdução identificando os pontos essenciais para uma prática de yoga
Capítulo I – Samādhi Pāda – 58 aforismos
Este capítulo é sobre:
definição de yoga;
aflições;
desapego:
samadhi;
experiência que provém do estudo meditativo;
devoção ao senhor;
identificação do símbolo Oṃ e cuja recitação leva à contemplação do significado de senhor;
restrições;
distrações da consciência;
sintomas dessas distrações;
para eliminar essas distrações existe a recomendação da prática de concentração com um único apoio meditativo:
explicação do método para tranquilizar a mente: amizade, compaixão, alegria e equanimidade;
o prana como forma de eliminar as restrições;
estados meditativos.
capítulo II – Sādhana-Pāda - 55 aforismos
Este capítulo é sobre o caminho para a realização e é composto por duas tradições independentes, o kriyā yoga de Patañjali, e o aşţa-aṅga yoga.
As principais ideias que retive neste capítulo, foram:
Ascese, autoestudo, devoção ao senhor constituem o kriyā yoga. O seu principal objetivo é a transformação gradual da consciência através da meditação e iluminação;
A fundação do sistema de yoga de Patañjali, é a teoria das causas da aflição;
Dentro do caminho dos 8 passos existe: yama, nyama, āsana, prāṇānyama, pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna, samādhi;
Existem as restrições relacionadas com a vida social: não violência (ahiṃsā), veracidade (satya), não roubar (asteya), castidade (brahmacarya), avareza, não cobiçar (aparigraha);
Existem as observâncias relacionadas com a autodisciplina: pureza (śauca), contentamento (saṃtoşa), austeridade (tapas), autoestudo (svādhyāya), senhor (Īśvara), devoção (praṇidhāna);
É assim criado o código ético relacionado com a prática de yoga de Patañjali.
Capítulo III – Vibhūti-Pāda - 55 aforismos
Este capítulo é sobre os chamados superpoderes, que surgem através da prática de concentração, meditação e iluminação;
Concentração é a união da consciência num único ponto;
Meditação é a fase em que as ideias são consistentemente associadas com o objeto de concentração;
Quando isso acontece surge a iluminação;
A prática da concentração, meditação e iluminação em conjunto e com foco num único objeto chama-se de restrição, que acontece de forma gradual;
Estes três passos, a concentração, meditação e iluminação fazem parte do yoga dos oitos passos, mas são internos e à medida que vão sendo aperfeiçoados surgem os superpamādhi Pāda – 58 aforismosos
Este capítulo final é sobre a consciência transmutada
Continuando sobre o tema dos superpoderes, neste capítulo existe a informação de que podem ser adquiridos através de práticas de ascese: fazendo jejum, ficar parado durante bastante tempo, através de recitação de mantras e utilização de ervas;
Abundância de outras formas de existência;
Processos de criação/ evolução da consciência e de múltiplos corpos através dos superpoderes;
Consciência que é transmutada através da prática de yoga, pela interiorização que provém de estados meditativos;
Ativadores que surgem de acordo com a qualidade moral das atividades realizadas anteriormente;
Remoção das imperfeições, aflições que deixaram de ser importantes para o self, deixam de vibrar no corpo e mente do praticante e passam a ser resolvidas no núcleo não manifestado.
Da leitura destes três livros, fico com a ideia de que estes livros e os próprios comentários não serão um produto acabado em sim mesmo, cada leitura leva para outras pesquisas e leituras, que um praticante de yoga deve fazer para aprofundar o seu próprio caminho na prática de yoga.
Dos três livros que li, o que me interessou mais foi o do Georg Feuerstein, pois aprofunda os aforismos, sem ser excessivamente exaustivo. Explica de forma acessível, remete para outros autores quando se justifica, e nalguns casos faz uma interpretação dos aforismos facilitando o seu entendimento.
Bibliografia
Barbosa, Carlos Eduardo G (1999) Os Yogasutras de Patañjali, S. Paulo, editado pelo autor
White, D. G. (2014) O Yoga Sutra de Patañjali – uma biografia, Princeton University Press
Feuerstein, G (1979) O Yoga Sūtra de Patañjali – uma nova tradução e comentário, Folkestone, Eng.:Dawson
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